“Escola não é empresa”
“A escola não é diferente de uma fábrica de parafusos apenas
porque nela se lida com seres humanos.” Um dos maiores estudiosos
brasileiros em gestão escolar, Vitor Henrique Paro discorre neste artigo
sobre a dimensão educativa da escola.
Por Vitor Henrique Paro*
Ora, a escola é, sim, uma empresa, se considerarmos o significado geral dessa palavra. Ou seja, empresa é todo empreendimento humano organizado para a produção de algo ou para a busca de fins, com a utilização do esforço humano coletivo.
Sim, pode-se argumentar, mas a escola não é uma empresa como qualquer outra; por isso não lhe é apropriado esse título. Mas, na verdade, isso acontece com toda empresa. Uma fábrica de calçados, por exemplo, também não é uma empresa qualquer, diferenciando-se em muitos aspectos de uma fábrica de automóveis, de um banco ou de um hospital. No entanto, todas elas continuam sendo empresas, embora com características diferentes umas das outras.
Esse raciocínio, todavia, não deve satisfazer os defensores da natureza única da escola. Os que se acham comprometidos com o mundo escolar insistirão que existe na escola alguma coisa de especial que faz dela um empreendimento peculiar. Pode até não haver uma explicação racional, pensam eles, mas “sentem” que esse algo existe e não pode ser ocultado nem mesmo pelo discurso “técnico” dos gestores e burocratas fazedores de políticas públicas.
Um argumento muito usado para diferenciar a escola é que, diferentemente da empresa em geral, ela lida com seres humanos, não com simples objetos. Essa alegação é lembrada mesmo por aqueles que querem fazer da escola mero negócio; embora o utilizem apenas para parecerem piedosos ou para serem simpáticos à causa oposta, já que eles mesmos não o levam muito a sério em suas decisões.
Essa justificativa tem seu fundo de verdade, mas não consegue dar conta da questão. Afinal, toda empresa lida necessariamente com seres humanos. A escola não é diferente de uma fábrica de parafusos, por exemplo, apenas porque nela se lida com seres humanos. A fábrica de parafusos também só funciona com seres humanos, muito embora explorados pelos proprietários do capital. Na verdade, esse argumento parcial parece fundamentar a ação dos que querem fazer da escola uma empresa como qualquer outra, devotando aos professores o mesmo desprezo que o capital dedica aos trabalhadores em geral.
Ao tentar aplicar na escola as cínicas técnicas de “relações humanas” aplicadas na empresa produtora de mercadorias, os modernos ideólogos da gestão empresarial ignoram completamente a especificidade do trabalho que se realiza na instituição educativa. Essa singularidade, que o verdadeiro educador nem sempre sabe exprimir, mas sente que é real em sua prática diária, advém do fato de que, na escola, não há apenas relações entre humanos, mas um tipo único de relação – a relação pedagógica –, pela qual o próprio humano é construído em sua configuração histórico-cultural.
Não se trata portanto de negar à escola sua condição de empresa, mas de afirmar seu caráter de educadora. Certamente isso não pode servir de desculpa para não lhe dar um tratamento técnico-administrativo, aplicando a melhor gestão na busca de seus objetivos; mas esse tratamento deve ser de acordo com sua especificidade pedagógica.
A dimensão educativa da escola é muito mais complexa e grandiosa do que o propalado. O trabalho pedagógico só tem condições de se realizar plenamente se for de fato livre, não se confundindo com o trabalho forçado da produção capitalista em que o salário é a razão necessária e suficiente. A vontade soberana do aluno e a vontade soberana do professor extrapolam a motivação meramente pecuniária e não se satisfazem com os mais sofisticados mecanismos administrativos de uma empresa qualquer.
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*Vitor Henrique Paro é mestre, doutor e livre-docente em Educação. Foi pesquisador sênior na Fundação Carlos Chagas e professor titular na PUC-SP. Atualmente é professor titular (aposentado) da Faculdade de Educação da USP, onde exerce pesquisa, docência e orientação em cursos de pós-graduação e coordena o Gepae – Grupo de Estudos e Pesquisas em Administração Escolar. Publicou, entre outros, os livros Gestão democrática da escola pública (Editora Ática, 2000) e Gestão escolar, democracia e qualidade do ensino (Editora Ática, 2007).
Por Vitor Henrique Paro*
Ora, a escola é, sim, uma empresa, se considerarmos o significado geral dessa palavra. Ou seja, empresa é todo empreendimento humano organizado para a produção de algo ou para a busca de fins, com a utilização do esforço humano coletivo.
Sim, pode-se argumentar, mas a escola não é uma empresa como qualquer outra; por isso não lhe é apropriado esse título. Mas, na verdade, isso acontece com toda empresa. Uma fábrica de calçados, por exemplo, também não é uma empresa qualquer, diferenciando-se em muitos aspectos de uma fábrica de automóveis, de um banco ou de um hospital. No entanto, todas elas continuam sendo empresas, embora com características diferentes umas das outras.
Esse raciocínio, todavia, não deve satisfazer os defensores da natureza única da escola. Os que se acham comprometidos com o mundo escolar insistirão que existe na escola alguma coisa de especial que faz dela um empreendimento peculiar. Pode até não haver uma explicação racional, pensam eles, mas “sentem” que esse algo existe e não pode ser ocultado nem mesmo pelo discurso “técnico” dos gestores e burocratas fazedores de políticas públicas.
Um argumento muito usado para diferenciar a escola é que, diferentemente da empresa em geral, ela lida com seres humanos, não com simples objetos. Essa alegação é lembrada mesmo por aqueles que querem fazer da escola mero negócio; embora o utilizem apenas para parecerem piedosos ou para serem simpáticos à causa oposta, já que eles mesmos não o levam muito a sério em suas decisões.
Essa justificativa tem seu fundo de verdade, mas não consegue dar conta da questão. Afinal, toda empresa lida necessariamente com seres humanos. A escola não é diferente de uma fábrica de parafusos, por exemplo, apenas porque nela se lida com seres humanos. A fábrica de parafusos também só funciona com seres humanos, muito embora explorados pelos proprietários do capital. Na verdade, esse argumento parcial parece fundamentar a ação dos que querem fazer da escola uma empresa como qualquer outra, devotando aos professores o mesmo desprezo que o capital dedica aos trabalhadores em geral.
Ao tentar aplicar na escola as cínicas técnicas de “relações humanas” aplicadas na empresa produtora de mercadorias, os modernos ideólogos da gestão empresarial ignoram completamente a especificidade do trabalho que se realiza na instituição educativa. Essa singularidade, que o verdadeiro educador nem sempre sabe exprimir, mas sente que é real em sua prática diária, advém do fato de que, na escola, não há apenas relações entre humanos, mas um tipo único de relação – a relação pedagógica –, pela qual o próprio humano é construído em sua configuração histórico-cultural.
Não se trata portanto de negar à escola sua condição de empresa, mas de afirmar seu caráter de educadora. Certamente isso não pode servir de desculpa para não lhe dar um tratamento técnico-administrativo, aplicando a melhor gestão na busca de seus objetivos; mas esse tratamento deve ser de acordo com sua especificidade pedagógica.
A dimensão educativa da escola é muito mais complexa e grandiosa do que o propalado. O trabalho pedagógico só tem condições de se realizar plenamente se for de fato livre, não se confundindo com o trabalho forçado da produção capitalista em que o salário é a razão necessária e suficiente. A vontade soberana do aluno e a vontade soberana do professor extrapolam a motivação meramente pecuniária e não se satisfazem com os mais sofisticados mecanismos administrativos de uma empresa qualquer.
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*Vitor Henrique Paro é mestre, doutor e livre-docente em Educação. Foi pesquisador sênior na Fundação Carlos Chagas e professor titular na PUC-SP. Atualmente é professor titular (aposentado) da Faculdade de Educação da USP, onde exerce pesquisa, docência e orientação em cursos de pós-graduação e coordena o Gepae – Grupo de Estudos e Pesquisas em Administração Escolar. Publicou, entre outros, os livros Gestão democrática da escola pública (Editora Ática, 2000) e Gestão escolar, democracia e qualidade do ensino (Editora Ática, 2007).
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